O
livro me chegou na transição para a segunda infância, como dom materno e
afirmação do rito de passagem alfabetizada. Ganhava acesso a um mundo distinto,
em que seriam fartas as situações e
imagens construídas pela escrita. Um dom que se recebe costuma pedir
retribuição, seja pela alegria da oferta, seja pelo compromisso suscitado.
Não
é ingênuo nem vai de coração limpo quem presenteia livros, dom que cobra exigência
por sua própria natureza de objeto-síntese da acumulação escrita e transmissão
de narrativas e conhecimento. De minha parte, mantive tanto alegria quanto
compromisso, o que implica presentear livros com frequência, tomá-los como
referência em minhas práticas. Leio livros, consulto livros, leio em voz alta
para pessoas ao meu redor.
Recomendo
a leitura oral expressiva, com atenção à entonação para as diferentes marcações
indicadas no texto, tais como sinais de pontuação ou informações referentes aos
tons das falas dos personagens. A voz humana, modulada, é canal essencial à
integração da criança no conjunto de herdeiros e herdeiras dos bens simbólicos
da humanidade manifestados em estado de palavra, tanto oral quanto escrita.
(Nilma Lacerda Tortura
e Glória: Fugas na ordem dos livros)